sábado, 16 de janeiro de 2010

E o que é que eu tenho a ver com isso??



Já vi imagens demais, informações demais. Gente com areia e sangue misturados no corpo. Sangue e pedras contra uma guerra em que não há defesa, ou por onde se esconder, fugir. Como naqueles sonhos angustiantes em que a gente corre e corre contra um monstro atrás de nós e sentimos não ter sequer saído do lugar. Mas os sonhos possuem a vantagem de acordarmos e sabermos que tudo estará bem de novo.

Como eles têm dormido? Como têm acordado todos esses dias? Como têm lidado com a perda violenta, nessa briga totalmente desleal com a natureza?

Que tipo de pesadelos lhes são melhores do que a realidade em que são obrigados a suportarem dia-a-dia, sem o direito de acordar e tudo ficar bem? Mas há uma diferença entre morrer de fome aos pouquinhos e a implacável fúria natural que não escolhe a quem vai destruir.

As catástrofes naturais nos chamam uma atenção que não nos provoca. Não temos como lutar contra a natureza, afinal de contas. Muito nos impressionam os números, as mortes, os ferimentos, os gritos silenciosos por socorro, milhares e milhares e milhares de corpos em vala comum... mas àquilo chamamos com nosso distanciamento seguro de ‘tragédia’.

Morrer de fome já é algo mais silencioso, sequer desperta tanta atenção. São quatro milhões de casos isolados, apenas. E, bem sabemos, chega um tempo em que o caos corriqueiro deixa de incomodar tanto. Os sentidos deixam de nos alertar que aquilo ali não é normal, não é natural, não pode ser.

Mas de uma coisa fiquemos certos: antes mesmo do terremoto, eles já sabiam o que é viver de escombros. Para quem não sabe – e isso não é uma metáfora - no Haiti, as pessoas comem lama.

Entretanto, há os que dizem ‘estamos aqui, estamos longe, temos nossos próprios problemas’. Nesse meu aprendizado de geografia que nos ilha e nos separa, não sei a quantas milhas estamos de distância daquele lugar. Lembro-me das aulas de português e da insistência quase caxias do professor em nos dizer do erro, do pecado que é modificarmos as pessoas gramaticais com tanta freqüência numa só redação. Ou se usa ‘eu’, ou ‘tu’, ou ‘ele’. Ou se usa ‘nós’, ou ‘vós’ ou ‘eles’. E eu me pergunto, ainda geograficamente desnorteada: quem somos nós e quem são eles?

Vejam bem como são as coisas: 90% do nosso corpo é formado por bactérias. Ou seja, ‘elas’ formam ‘nós’. Igualmente podemos nos referir a ‘nós’ quando dizemos ‘nós maceioenses, nós alagoanos, nós brasileiros, latino-americanos, terrestres. Nós, de Alagoas e do Haiti, fazemos parte do mesmo planeta e, portanto, somos sim ‘nós’, querendo ou não.

E por isso precisamos enxergar de uma vez por todas que ‘eles’ somos nós. Precisamos que cada ‘eu’, por maior ou menor que se sinta, compartilhe da sensação de 'nós' e cumpra nada mais do que a responsabilidade – porque onde há sobras há falta - de salvar a eles. Daí vamos cuidar de nós. E fazermo-nos bem.


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