quinta-feira, 25 de março de 2010

As abissais




Como diria qualquer pessoa, tudo é mesmo um grande palimpsesto. E como sou uma usuária-consciente-desse-fato, vou contar: eu estava profundamente chocada com alguns pensamentos que cheguei a ter num dia super frio, com muita chuva e trovões, quando abri o twitter e me deparei com uma das @pequenasepifanias de Caio Fernando Abreu – o avassalador.

Ponto. De repente do frio fez-se o calor e lá estava eu, de volta à superfície, com um leque na mão, tomando suco de caju e querendo me divertir. Superfícies. São lindas e boas. Não fazem nada mal a ninguém.

Mas exigimos profundidades. ‘Elas são necessárias’. As profundidades precisam alimentar nossas carências de bases seguras, porque sabemos intimamente que pisamos em ovos. E olhamos para baixo com olhos esbugalhados, vendo que, sob os ovos, há cascas de banana. E sob as cascas de bananas, um buraco negro de medos e escuridão quando se tenta, de olhos cerradíssimos, enxergar o futuro. E a palavra ‘futuro’ está de olhos fechados para todo mundo. Até para o diretor do Big Brother Brasil, juro.

Antes que me pergunte, não estou falando sobre as ‘garantias’ ou ‘promessas’ que fazemos e recebemos de nós mesmos e dos outros, porque aí estaria tratando de uma insegurança muito egoísta. Mas das profundidades. Nós as queremos mais do que tudo, porque achamos que quanto mais profundas as coisas, mais verdadeiras. Quanto mais fundo tentamos ir com nossas palavras aos sentimentos, mais verdadeiros achamos que são eles, os sentimentos. Aliamos a profundidade à verdade, porque a verdade parece trazer uma tal segurança que nos leva a impulsivamente (veja só que paradoxo) adentrarmos ainda mais.

Mas e se mergulharmos profundamente a uma verdade interior e descobrirmos que não passava de uma grande mentira? E aí? Vamos cavar mais um pouquinho como um cachorro com Transtorno Obsessivo Compulsivo? Não, por favor. Vamos cair na real. Vamos nos ligar! Isso não é mergulho, é afogamento. E de afogamentos, já basta o que esse mundão nos dá, com a camada de ozônio parecendo uma peneirinha. Com um monte de gente morrendo de fome, de drogas, de doenças, ou de descaso, sob os nossos narizes congestionados de desgraças e perfumes da Natura.

Não! Nada de nos afogarmos – eu repito e insisto comigo mesma – nessas águas nem um pouco límpidas, quando tudo o que precisamos, muitas vezes, é de um ar puro, de um sol e de um mar, ou de uma montanha com cachoeira, ou de sensações simples como sentir-se bem, fazer com que alguém se sinta bem também, e todas aquelas coisas que a (nossa) natureza nos dá na em plena, bela, inconstante e verdadeira superfície. De dentro para fora e de fora para dentro, como é nossa respiração (e eis que agora me deparei que quase não respirei nesse parágrafo). Mergulhar e retornar para superfície.

Então deixa eu dizer logo antes que perca a graça e o sentido. Caio Fernando comentava com toda a propriedade– e depois disso tudo, repito eu e peço-lhes:

“Não me exijam profundidades abissais nesse calorão. Quero o meu leque!”.
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