Não desejo entrar no mérito sobre venda de fardas ou algo que o valha. Em minha opinião, uma farda não distingue a conduta de ninguém, embora essa ilusão nos embale. Um conforto estranho do qual já não me iludo. A distância entre a defesa e o ataque é terrivelmente pequena, e assustadora quando a percebemos.
Ontem à tarde, centenas de pessoas celebravam a Proclamação da República em Marechal Deodoro. E gritavam palavras de exaltação enquanto policiais do Bope apontavam as armas em todas as direções, num gesto simbólico que fazia parte do desfile. Meu coração disparava. Lembrei que aquelas armas, tão próximas de nós, matavam. E que as mãos que as seguravam poderiam atirar a qualquer momento, e várias vezes, em outras ocasiões, atiraram. Em ‘nossa defesa’, dizem. Isso me deu arrepios.
Vamos cair na real. Essa violência amedronta, mas também desperta fascínio, curiosidade, adrenalina, torpor… até chegarmos ao nível clichê de justificarmos as ‘mortes matadas com requintes de crueldade’ cotidianas: Foi tráfico. Foi passional. Foi ladrão. Foi em defesa. Foi loucura. Foi merecida.
Merecida! É isso o que nos faz ser capazes à perversidade. Mas a distância entre nossos comentários e os atos extremos de violência é o único ‘porém’ que faz com que sejamos ‘não tão perversos’. E, lembremos, a distância entre o pensar e o agir.. entre a defesa e o ataque.. é terrivelmente pequena, se é que ela existe. Pessoalmente tenho minhas dúvidas.
A violência atrai e quase nunca estamos alertas a respeito de nossos próprios limites, enquanto apontamos nossos dedos levianos em suspeitas, acusações e imaginamos os castigos mais cruéis para os homens mais cruéis. Acreditamos que, apesar de nossos defeitos, temos direitos de julgarmos, mas esquecemos que, apesar de nossos defeitos, temos a mesma capacidade para amarmos. Se não tivermos medo, é claro. Mas o medo tem nos movido à nos tornarmos essas coisas monstruosas a quem tanto apontamos. Com farda ou não.