quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O medo revestido

Imaginem a cena: dois policiais (de verdade, dessa vez) entram, fardados, em um banco, e clientes e funcionários saem correndo, temendo uma desgraça maior. Parece comédia, não? Mas foi algo parecido com o que ocorreu em uma agência da Caixa Econômica, do bairro da Pajuçara, dois dias após o assalto em outra agência, no Centro, que culminou com a morte de um policial civil e de um vigilante e que tinha um ‘falso policial’ em meio à quadrilha. Conhecemos bem a história.

Não desejo entrar no mérito sobre venda de fardas ou algo que o valha. Em minha opinião, uma farda não distingue a conduta de ninguém, embora essa ilusão nos embale. Um conforto estranho do qual já não me iludo. A distância entre a defesa e o ataque é terrivelmente pequena, e assustadora quando a percebemos.

Ontem à tarde, centenas de pessoas celebravam a Proclamação da República em Marechal Deodoro. E gritavam palavras de exaltação enquanto policiais do Bope apontavam as armas em todas as direções, num gesto simbólico que fazia parte do desfile. Meu coração disparava. Lembrei que aquelas armas, tão próximas de nós, matavam. E que as mãos que as seguravam poderiam atirar a qualquer momento, e várias vezes, em outras ocasiões, atiraram. Em ‘nossa defesa’, dizem. Isso me deu arrepios.

Vamos cair na real. Essa violência amedronta, mas também desperta fascínio, curiosidade, adrenalina, torpor… até chegarmos ao nível clichê de justificarmos as ‘mortes matadas com requintes de crueldade’ cotidianas: Foi tráfico. Foi passional. Foi ladrão. Foi em defesa. Foi loucura. Foi merecida.

Merecida! É isso o que nos faz ser capazes à perversidade. Mas a distância entre nossos comentários e os atos extremos de violência é o único ‘porém’ que faz com que sejamos ‘não tão perversos’. E, lembremos, a distância entre o pensar e o agir.. entre a defesa e o ataque.. é terrivelmente pequena, se é que ela existe. Pessoalmente tenho minhas dúvidas.

A violência atrai e quase nunca estamos alertas a respeito de nossos próprios limites, enquanto apontamos nossos dedos levianos em suspeitas, acusações e imaginamos os castigos mais cruéis para os homens mais cruéis. Acreditamos que, apesar de nossos defeitos, temos direitos de julgarmos, mas esquecemos que, apesar de nossos defeitos, temos a mesma capacidade para amarmos. Se não tivermos medo, é claro. Mas o medo tem nos movido à nos tornarmos essas coisas monstruosas a quem tanto apontamos. Com farda ou não.

domingo, 15 de novembro de 2009

'...Já estanquei meu sangue enquanto fervia..'


bebendo chuva,

resgato

o sal na pele, o sol,
o meu simples
sustentável
complexo
(e perplexo!)
hedonismo.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Pra vida valer a pena...

O que me impulsiona a.. sei lá o quê
Ao bem, ao mal, ao sim, ao não, ao vou-não-vou,
(E parei! Fico no meio do caminho)
É exatamente, especificamente..
sei lá o quê

o amor, a dor, o medo,
a aritmética geometria gráfica dos sinais

A pedra, o passarinho

Mas não se preocupem
Vou procurar com muito afinco
Minhas certezinhas pela estrada
Como dois e dois são cinco

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Entre a literatura e os holofotes

(primeiro texto escrito como colunista da revista clipping :p)

Quem acompanhou os quase dez dias da IV Bienal Internacional do Livro de Alagoas deve ter conhecido autores que marcaram a literatura brasileira e mundial, apresentando obras que bem nos lançam a novos ambientes, novos conhecimentos ou mesmo novos modos de observarmos as mesmas paisagens. Mas será que ‘esse tipo de gente’ era o que a maioria dos maceioenses esperavam no evento literário? Bem, vamos ver…

O jornalista, professor e escritor alagoano, José Marques de Melo, por exemplo, lançou o quarto volume da obra que assina como organizador: “Imprensa Brasileira: Personagens que fizeram história”. O livro é um compilado de informações sobre personagens como Nelson Rodrigues, Joel Silveira, Aluísio Azevedo e outros nomes de igual importância na história da imprensa. José Marques ainda esteve em diversos momentos dentro da Bienal, participando de mesas-redondas, de onde abordou temas como a ética dentro do exercício jornalístico, lembrando-nos frequentemente da própria história do Estado em seus discursos.

O escritor francês Stéphane Audeguy trouxe aos alagoanos relatos de suas experiências que deram origem aos seus dois romances. Em A Teoria das Nuvens, ele retrata a história de um costureiro japonês e colecionador de livros, obcecado por estudos sobre as nuvens em meio à catástrofe em Hiroshima.

Já em O Filho Único, de onde foi agraciado com o Prêmio Deux Magots em 2007, Audeguy faz um romance histórico sobre nada menos do que o irmão de Jean-Jacques Rousseau, o libertino François (pois é, Rousseau tinha um irmão!), que fugiu e decidiu viver em meio aos prostíbulos em Paris, geralmente freqüentados por políticos e gente do clero. “Gosto de captar essas brechas para investigar e imaginar o que teria acontecido com o que a história oficial não relata”, comentou durante o bate-papo. Apenas treze pessoas estiveram presentes dentro da sala onde Audeguy mostrava detalhes da obra, contando com o próprio autor e seu intérprete.

Os grandes escritores Ruy Castro e Ignácio de Loyola Brandão emocionaram os presentes com seus discursos. Loyola Brandão impressionou a todos por sua simplicidade e inteligência. Ruy Castro, o leitor apaixonado, mostrou que o motivou ao jornalismo foi, de fato, sua afinidade com as palavras. Desta vez, as cadeiras da plateia estavam razoavelmente preenchidas.

No entanto, foi a última escritora do último dia do evento quem ‘bombou’. Com um ramo de orquídeas ornamentando sua mesa, num auditório lotadíssimo, a atriz Maitê Proença foi ouvida por centenas de pessoas sobre sua vida e sua trajetória, que deram origem aos dois livros: ‘Entre os Ossos e a Escrita’ e ‘Uma Vida Inventada’, isso tudo, após um pequeno tumulto ocorrido na sala José Marques de Melo, que não comportou a quantidade de pessoas que queriam ‘ver’ a atriz global, fazendo com que a organização, inteligentemente,modificasse o local da palestra para o auditório principal do Centro de Convenções.

Aqui, definitivamente, não será questionada, por exemplo, a competência literária da atriz, ou o que foi dito durante a ‘palestra’. Apenas uma pequena ressalva aos comentários dos que estavam sentados nas cadeiras: “Será que vou conseguir tirar foto com ela?”. “Você acha que ela vai falar sobre a história da pensão que ela perdeu?”, e “sobre os portugueses que ela saiu falando mal? Será que ela vai comentar sobre isso?”, “Só saio daqui quando conseguir um autógrafo”..De repente, com seu vestido estampado, loirice acentuada e andar apressado.. "é ela! é ela!"..a escritora? de que livro? é a atriz da novela!

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A Teoria da minha vizinha



Era um dia qualquer

muitos anos depois da guerra
época em que quando se morre
geralmente se enterra

o lugar pouco importa
quando era inverno, eu abria a porta
muito pequeno, pouco entendia
os doidos costumes da viúva vizinha

Ssentia o cheirinho de chuva
e já corria para minha janela
de lá da varanda já sabia
que sem guarda-chuva, lá vinha ela..

Sentava no banquinho da praça
e lá ficava feliz e parada
minha mãe soltava um murmúrio
'essa não tem medo de ficar resfriada..'

até que um dia, como sempre de bobeira
curioso, cheguei junto à viúva
e perguntei que mania é essa
de tomar banho de chuva

Ela olhou para mim com cara estranha
como se não esperasse esquisita questão
e me respondeu que seu marido foi convidado
a entrar em um campo de concentração

Não sabia o que era isso
e imaginei ser um lugar para gente importante
pensei 'o finado marido da vizinha
seria do tipo que se veste elegante?'

Vocês devem imaginar a surpresa que tive
quando ela terminou a história
disse que o marido subiu pela chaminé
virou fumaça e viajou mundo a fora

"E já prevendo que iria para o tal campo
ele me explicou como as chuvas se formam
disse que o ar quente sobe para as nuvens
e a água cai quando as gotas se chocam"

"E disse 'eu como fumaça que serei
vou esquentar as nuvens e cair junto a elas
sempre que vir os pingos caindo
imagine que sou eu, caindo em sua janela'"
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...