terça-feira, 27 de julho de 2010

“Não acomodar com o que incomoda...”¹

Peço a licencinha para deixar aqui um texto da amiga Amanda Gabriela²


"Outro dia fiquei sabendo que uma grande amiga está passando por uma crise de identidade profissional. Tomei um susto, claro. Como aceitar que a minha maior esperança no jornalismo desse país anda cogitando a possibilidade de enveredar por outros ramos (ainda a serem descobertos), porque se sente limitada, desestimulada e sufocada no local em que trabalha?

Justo ela, tão íntegra e competente – a pessoa que faz a maior diferença, luta fervorosamente pelo que acredita e diariamente me convence de que ainda é possível sentir esperança nas pessoas e nesse mundo. Faça-me um pequeno favor: fique exatamente onde está e prossiga com seu belo trabalho, apesar de seja lá o que for. Foi o que eu tive a coragem de dizer num primeiro momento.

Sorte que a vida não é feita apenas de primeiros momentos. Foi preciso um segundo e um terceiro para que eu pudesse entender o que se passa realmente, e assim relembrar tudo aquilo que costumo defender pra mim mesma e para os outros. E o que costumo defender é “bonito e até romântico”, sempre diz meu sábio pai. Não que eu concorde plenamente, porque nesse ponto ele provavelmente está tentando desconstruir meus argumentos; mas há aí uma certa razão.

Afinal, existe coisa mais bonita do que ser coerente consigo mesmo? Ser fiel aos próprios princípios, valores, desejos e sonhos? Ou você conhece alguém que vive suficientemente feliz fazendo aquilo que não gosta (ou até gosta, mas não satisfaz), sendo obrigado a seguir determinada linha de comportamento e discordando avidamente da conjuntura predominante? Eu conheço vários – que fingem.

Que seja utópico e ingênuo, mas eu faço parte do time dos sonhadores coerentes. Se pra você ser coerente é passar num concurso público (qual for), pra adquirir a tão sonhada estabilidade e sossegar um pouco a cabeça no travesseiro... eu estou sinceramente contigo (a vida não está fácil mesmo). Mas vê lá, não vai depois fazer a coisa de qualquer jeito (digo, o trabalho); faz parte do pacote, além do salário, as horas intermináveis que você vai precisar cumprir durante os cinco dias da semana.

Se pra você ser coerente é estudar um pouco mais, se especializar, se qualificar, arriscar as economias num pequeno negócio, viajar pelo mundo, advogar, abrir um consultório... eu estou orgulhosamente contigo também, porque é isso que importa: o que te importa. E de preferência que, uma vez sendo importante pra você, de algum modo possa ser também para os outros.

Mas há ainda aqueles que, de tão coerentes com a própria índole, não sabem bem como proceder ou não se contentam mais com o que fazem porque acreditam que podem ir positivamente muito além, como parece ser o caso da minha querida amiga. Para esses, o meu apreço é ainda maior. Não me entendam mal, mas queria eu que existissem mais pessoas inconformadas nesse mundo. Pessoas com forças para mudar o que anda tortuoso, ou mesmo pra largar tudo e começar do zero, suportando todas as dificuldades que essa alternativa impõe, mas seguindo a vida com muito mais vigor.

Pode até parecer pouco racional, mas não deixa de ser bonito... e até romântico."

1. Trecho da canção " Criado-mudo", do grupo Teatro Mágico
2. Amanda Gabriela é concluinte do curso de Direito e minha amiga há cerca de 16 anos...



Agora sim,
antes de divulgar este texto, pedi (claro) a autorização da Amanda para postá-lo aqui. Ao receber a permissão, também recebi dela a incubência de intitulá-lo. Para quem não sabe, intitular textos é um desafio para jornalistas (e eu ainda sou uma - brincadeira!).

Pensei que o título deste texto bem que podia ser aquela propaganda da cerveja "Coragem para casar todo mundo tem. E para descasar, cadê?"... Sim, porque acredito que ao nos comprometermos com o que quer que seja estamos (ou não?), de certo modo, casando. Pode ser um relacionamento, um posicionamento, uma decisão, um curso, uma profissão, o que quer que seja. Quantas vezes entramos de cabeça e, ao vermos que o barco tá furado, ficamos parados, sentados, batucando na mesa e pensando, com pena-da-má-sorte, que estamos perdidos?

Chutar o balde requer, de fato, uma coragem para além do medo e para além dos 'e se's da vida... Isso porque a gente sabe muito bem que, a partir do momento em que falar em alto e bom que "não quer mais isso", teremos que ir até o fim com aquilo ou o chute interrompido vai causar uma situação insuportável, um desgaste que 'bem poderia ser evitado se não tivéssemos chutado nada e deixado tudo como estava'...

Acontece que deixar tudo como está é um chute contra nós mesmos: embora tudo esteja aparentemente no seu lugar, nós não estamos, e temos que admitir isso para que voltemos a fluir na vida, ou para permitirmos que a vida flua em nós. Qualquer coisa assim...

É por isso que não acomodo, não dá. Em nenhum sentido. Em nenhuma circunstância. Talvez eu seja do tipo que vive inconformada, que raramente tem sossego, mas é pior do que aquela falsa paz que não faz mais que ir apodrecendo aos pouquinhos..

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