quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Política para quem precisa...


Se é deprimente e revoltante saber que a maioria de nós, alagoanos, vive em pobreza extrema – batemos o recorde nacional com 56%, segundo o IPEA –, acredito ser ainda mais desconcertante constatar que estamos entre os estados que mais sofrem com a falta de produtividade intelectual. Escolhi dizer ‘produtividade intelectual’ porque tentava imaginar qual outra expressão seria mais original para me referir à ‘educação’, essa coisa básica tão martelada que chega a ficar clichê nas campanhas políticas. Chega a encher de poeira logo depois.

Os monstros do analfabetismo e analfabetismo funcional extrapolam armários e papéis do IBGE e entram, preocupantes, na minha mente deslavada que não busca tanta credibilidade assim nas estatísticas. Acontece que, segundo dados desta vez colhidos pelo Tribunal Superior Eleitoral, aproximadamente um em cada seis eleitores em Alagoas não sabem ler nada. Dos cinco que restaram, um deles sabe basicamente apenas escrever o próprio nome.

Pronto: não vou mais falar de números. E antes que o caro leitor pense em ficar cansado, confie: essa matemática toda terá uma moral da história. Um tanto imoral, talvez. O problema é que, quando vejo estes benditos números, tento achar – quase sempre sem futuro – a lógica maior de tanta falta de mobilidade. Quando os tais dados revelam algum sinal positivo, comparo essa movimentação com a de um menino magrela subindo a ladeira da Catedral com 10 quilos de macaxeira nas costas ao meio dia: uma subida sofrida,suada e lenta.

Acontece que não há como deixar de observar o quanto esse caracol só nos deixa mais presos lá dentro. Tanta gente na miséria absoluta e tanta gente sem a consciência dos próprios poderes colaborando inconscientemente para que tudo fique assim. Deixemos então de lado essas contas doidas, esses cálculos perversos, que fazem acreditarmos que política é apenas uma ferramenta usada por gestores eleitos para teoricamente mudar números, alavancar capacidades, potências, dados. Quem quer saber dessa política? Para quem é essa política? Quem faz política? Quem a utiliza?

Para todas as perguntas, uma resposta: nós. Dados e dardos humanos, trabalhamos quatro meses no ano apenas para pagar impostos. Janeiro, fevereiro, março e abril, oito horas diárias, noites sem sono, trânsito, os sapos engolidos, a falta de tempo para família, para o lazer, para o amor. Tudo entregue a terceiros para que apliquem esse seu trabalho na calçada que você anda, na escola e na moradia do menino que te pede esmola e você fecha o vidro do carro. É o tal dinheiro público, esse que não reconhecemos como nosso, mesmo quando o vemos entrando em cuecas alheias, ou desviados em esquemas criminosos de deputados, prefeitos, senadores, governadores e presidentes.

Então vemos na TV, ouvimos no rádio – ou lemos, caso possamos – expressões esquisitas como ‘propinas’, ‘desvios de verba’, ‘impugnação’, ‘corrupção ativa’, “ação civil pública”. As palavras fogem de nosso vocabulário politicamente analfabeto. O tempo foge de nossas existências. As vidas fogem de nosso controle mais do que deveriam. Tudo isso simplesmente porque ‘achamos a política uma coisa chata’, porque não estamos tulhufas ao que diz respeito diretamente a nós, ao passado mal entendido que descambou nessa confusão, à nossa vida, à nossas amizades, amores, rotina, futuro, presente.

É o que Edgar Morin chamaria talvez de Antropolítica. A tal política do homem planetário, a consciência de quem somos e de que podemos tomar conta de nossas vidas, ao invés de deixá-las como barquinho solto na correnteza alheia. Isso requer saber números e coisas que, à primeira vista, têm menos graça do que a novela da oito. Implica em voltarmos e instigarmos nossa curiosidade sobre questões como, por exemplo, quem é o menino magrela? Será que ele sobe até o fim? E o que isso tem a ver comigo? Mas vá lá! Por mais pesado que seja, vale a pena olhar para além da macaxeira...







2 comentários:

  1. A combinação de dados e dardos humanos, olhar para além da macaxeira, adoro quando Nessa escreve livre. Consegue falar do assunto mais pesado com leveza. Cheiros.

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  2. O que me espanta, hoje, nesse hábito de não estarmos nem aí pra essa tal de política, especialmente aqui em Alagoas, é ver o belo leque de opções de candidatos a Governador! A tão pouca esperança de que um dia poderemos mudar esse estigma que persegue nosso Estado, o de ser palco constante de tanta criminalidade e falta de respeito; essa esperança fica ainda mais frágil em situações como essas! Espero que esse seu texto alcance muitos leitores e faça sua parte no que se refere a uma tomada de consciência sobre a condição em que vivemos e sobre o que queremos para nosso futuro!

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