Então fui convidada a falar um pouco sobre a Vila dos Pescadores de Jaraguá. Um perigo! Perigo, antes de tudo, de começar a falar e não terminar mais, ou de ser pouco precisa, ou de não falar tudo (eis que, agora ao revisá-lo, lembro de milhares de coisas que esqueci de comentar)... Mas juro que tentarei me restringir aos fatos. Talvez nem sempre consiga , considerando que já deixei há tempos de estar no seguro distanciamento de ‘imprensa’.
Foi enquanto cidadã que me reuni, na última terça-feira (12), com o grupo de blogueiros que faz parte do Montando a Blogosfera, no Facebook, para tecer alguns comentários sobre o que realmente acontecia no lugar em que hoje chamam de Favela de Jaraguá. Não quero com isso forçar ninguém a absorver o meu entendimento sobre o tipo de política exercido pela Prefeitura de Maceió. Espero, na verdade, que cada um entenda a seu modo..
A primeira vez que entrei naquelas casas, antes vistas apenas de passagem – quase nem vistas, diga-se de passagem! – foi em meio aos primeiros conflitos. De um lado,as mais de 500 famílias que queriam moradias dignas naquele espaço, do outro, uma prefeitura que chegou a insistir que usaria até de força policial, se preciso, para acabar com a comunidade que está em Jaraguá desde que Maceió sequer era a capital alagoana.
Foi apenas quando entrei lá que entendi: a Vila dos Pescadores de Jaraguá foi favelizada a partir de enchentes que ocorreram em meados de 2001(salvo engano), quando a gestão anterior do Município alojou centenas de desabrigados do Benedito Bentes para uma fábrica de gelo situada ali perto. Tempos depois, a fábrica foi fechada e, sem grandes opções, todos apertaram o lugar e decidiram ser os novos vizinhos dos pescadores. Pois é. Nem todos que estão ali tem a pesca como atividade, como meio de vida.
Quem aqui ainda lembra da guerra que foi emplacada em 2008? A imprensa registrou: enquanto os pescadores fechavam ruas, chamavam a imprensa e reforçavam que de lá não sairiam, o prefeito Cícero Almeida, no uso de suas ATRIBUIÇÕES, conseguiu dar tiros e mais tiros no pé, ao chamar os moradores de traficantes e vagabundos. Seu secretário, por sua vez, acrescentou que pescador não tem querer e que, “Chova o que chover, os moradores serão deslocados e o novo conjunto, habitado. Vamos acionar a Polícia Federal, se preciso”.
Vale lembrar: aquele pedaço de terra é da União, que cedeu a prefeitura para que ela reurbanizasse a Vila. Com o projeto pronto e devidamente acatado pela Superintendência de Patrimônio, Almeida decidiu ‘mudar os planos’. A ideia tornou-se, então, construir o ‘sonho do prefeito’, uma luxuosa marina. Quanto aos pescadores? Eles que se afastem e aceitem a construção dos prédios no Sobral. A ameaça: Ou isso, ou seriam deslocados para o Benedito Bentes.
Pronto. O auê recomeçou.
Temendo ser forçada a se mudar para o conjunto no Benedito Bentes, a maioria dos moradores assinou uma lista totalmente obscura distribuída por técnicos da prefeitura, onde se comprometiam a aceitar goela abaixo os prédios no Sobral, cujas construções começaram numa velocidade incrível, enchendo de olhos aqueles que estavam acostumados a viver subumanamente em favelas. Por outro lado, essa mesma Prefeitura conseguiu a proeza de inventar que havia uma conspiração saída da imaginação fértil do Ciço: havia, segundo o prefeito, uma suposta ‘ONG de Universitários’ que queria manter a miséria no local e, por isso, induzia os moradores a preferir a permanência em Jaraguá.
Almeida, no auge de sua popularidade, também dizia que essa luta era apenas do interesse de traficantes. Trabalhadores, adolescentes, idosos, crianças, mulheres... todos, todos, que acordam às 4h e vão dormir às 22h, foram reduzidos a um grupo de criminososos que, como em vários outros bairros periféricos - onde o crime ainda não tem gravata – agem e vendem droga para os garotos bem vestidos de outros locais da cidade de Cícero Almeida.
Quem trabalha com pesca, não tem hora para chegar ou hora para sair. São centenas de famílias que vivem do que o mar entrega. São centenas de pessoas que precisam sair de madrugada, chegar de madrugada, que correm riscos sérios de uma ressaca do mar destruir seus navios. No Sobral, sequer a garantia de um transporte foi assegurada.
Quando à época questionei sobre tudo isso ao prefeito, eis sua conversa torta e sem sentido:
http://gazetaweb.globo.com/v2/noticias/texto_completo.php?c=186877
Não é só isso!
Crianças, adultos, idosos, correm no meio da sujeira, do esgoto (não há qualquer saneamento no local) porque, numa clara forçação de barra, a prefeitura simplesmente não recolhe o lixo na Vila... depois simplesmente chama seus residentes de ‘imundos’.
Quem é desavisado, concorda. E Maceió é cheia, cheia de gente desavisada!
Hoje, 80% dos moradores querem deixar a favela e morar no apartamento quase pronto no Sobral. Eles não sabem como irão trabalhar, como irão se locomover, mas querem sair do esgoto, do lixo, do calor, da favela, e morar naqueles concretos, que parecem ser muito mais concretos do que o sonho longínquo de 20% dos outros, que defendem moradias dignas no local de origem.
Sem descanso, a prefeitura resolveu afirmar aos que querem sair que a demora para mudança só ocorre devido a insistência dos que querem ficar. Agora, não é comunidade x prefeitura, mas comunidade x comunidade.
E quanto mais criam novos discursos, mais tentam desunir os moradores da Vila, mais tentam descreditar a luta pela permanência. Ou melhor, a luta pela escolha. Tudo “para melhorar o visual da cidade”, como diz Almeida. Para melhorar o visual do jeito dele, ou deles.
Entretanto talvez eles tentem fazer com que passe batido, mas aqui nasce nossa luta para deixar as coisas tão claras quanto o mar de Jaraguá:
Existe um visual na VILA DOS PESCADORES que, quem olha assim de fora, assim de passagem, mal consegue ver: existe uma riqueza, uma vida, que prefeito nenhum, que tráfico, lixo, e todos esses problemas desencadeados – e alimentados - por essa gestão, pode fazer morrer!
Na Vila tem maracatu, capoeira, oficinas de artes, de instrumentos.; Tem o ponto de cultura Enseada das Canoas, a Casa da Mãe Vitória, tem eventos culturais, mostras. Tem uma tradição e um ritual que começa com a construção dos navios.
Em breve, muito breve, vai ter também uma biblioteca comunitária! Agora sim, chegamos no ponto de partida do que deveria ter sido o motivo da conversa na reunião com os blogueiros...
A dúvida maior, e a alegria também, é em saber como essas pessoas conseguem participar, interagir e criar tanta riqueza numa situação tão incerta, imprecisa, conflituosa. Numa briga tão desigual. Talvez seja preciso aguçar os ouvidos e conhecer a Vila melhor para saber um pouco do que estou falando, de quem estou falando... E sobre outros tantos detalhes que parecem invisíveis aos olhos distraídos, ou perigosos demais às mãos erradas.
Vejam o blog da Associação dos Moradores e Amigos de Jaraguá (Amajar):