quarta-feira, 15 de setembro de 2010

"Vou consertar a minha asa quebrada e descansar..."

Foi há alguns anos. Entrei na sala e avistei uma borboleta na ponta da janela. Peguei um livro, sentei no sofá, pés no centro. Li umas 18 páginas de uma Anne Rice, Pedro Bandeira, ou algo assim, com todo o fôlego do mundo. Quando estava me levantando para assaltar a geladeira, olhei acidentalmente para a janela de novo.

Fiquei sem entender e cheguei bem perto, ainda que receosa. Como assim a borboleta ainda estava ali? Com janela aberta, tempo bonito e tudo mais... Como é que pode? Foi então que percebi: um pedacinho bem pequeno de uma de suas asas estava quebrado. Era tão fina e delicada a asa que mais parecia papel. E a ferida, um rasgão.

Lembrei: certo dia, uma tia me disse que se uma borboleta estiver com a asa quebrada, basta quebrarmos exatamente do mesmo jeito o outro lado que, por alguma explicação biofísica, ela voltaria a voar. Não hesitei. Peguei uma tesourinha, dessas de unha, segurei a borboleta com todo o cuidado do mundo e, desastrosamente, tentei esculpir a mesma brechinha do outro lado da asa.

Soltei. Ela não voou.

Peguei mais uma vez o que antes tinha sido uma minhoca e olhei direito: tinha cortado demais. Voltei para a asa quebrada original e cortei mais um pouco, para tentar igualar dessa vez. Sem sucesso.

Fiquei nervosa e parei. Eu estava mutilando a borboleta na tentativa de fazer com que ela voasse. E eu não sabia nada de borboletas ou de suas anatomias ou da física dos vôos. De borboletas eu só sabia que elas deram origem ao nome ‘Vanessa’, e isso tinha mais a ver comigo do que com elas. Bem útil! Eu estava trucidando a coitada, enquanto tentava abrir a mesma ferida do outro lado para que ela se libertasse.

A pretensão se esconde em coisas tão sutis, finas, pequenas, banais. Tentar cortar asas e querer que uma borboleta alce vôo é uma contradição cruel. Abrir feridas em um corpo sem conhecê-lo, mesmo que ‘com a melhor das intenções’ é insano, perigoso. Sob fortes camadas de ego puro e de um poder devastador, temos todos a fragilidade de um inseto cujo menor toque ou até a melhor das intenções pode mutilar.

Ainda assim, usamos a camada grossa de um poder ignorante para mexer e manipular o que não conhecemos, só porque achamos o outro nada mais do que uma ‘coisa’. Um crime ambiental, a leviandade de um falso-amor, a questionável hierarquia social, a politicagem, a ingenuidade com o efeito das palavras e dos sentidos, não passam de diferentes faces de uma irresponsabilidade mesquinha de quem acha que conhece, acha que sabe, acha que pode, acha que é melhor, acha que está fazendo o certo, acha que deve intervir, acha que os fins justificam os meios. Esquecem, como esqueci e volta e meia me pego esquecendo, que antes de tudo, mais do que tudo, não passamos de insetinhos com asas quebradas.

Final feliz: A borboleta, de algum jeito, aprendeu a voar com as asinhas rasgadas. E, sem rancor com quem a torturou (eu), ensinou aquela coisa clichê de que podemos sempre voltar a voar, só precisamos aprender como...


"Estou falando de amor, e não do que você pensa..."

7 comentários:

  1. Esse texto deu mais sentido ao meu dia de hoje! Obrigado!

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  2. ...traigo
    sangre
    de
    la
    tarde
    herida
    en
    la
    mano
    y
    una
    vela
    de
    mi
    corazón
    para
    invitarte
    y
    darte
    este
    alma
    que
    viene
    para
    compartir
    contigo
    tu
    bello
    blog
    con
    un
    ramillete
    de
    oro
    y
    claveles
    dentro...


    desde mis
    HORAS ROTAS
    Y AULA DE PAZ


    TE SIGO TU BLOG




    CON saludos de la luna al
    reflejarse en el mar de la
    poesía...


    AFECTUOSAMENTE
    A ESCREVEDORA

    ESPERO SEAN DE VUESTRO AGRADO EL POST POETIZADO DE ENEMIGO A LAS PUERTAS, CACHORRO, FANTASMA DE LA OPERA, BLADE RUUNER Y CHOCOLATE.

    José
    Ramón...

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  3. Olá Wanessa, como vai?! Tem uma postagem pra você no meu blog, aparece lá quando puder, ok?
    Tudo de bom!
    Abração!

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  4. Pior do que não saber, é achar que sabe. Você está certissíma.
    Parabéns, adorei seu blog

    http://sussurroaovento.blogspot.com/

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  5. Olá Wanessa,
    Este texto é uma belíssima lição. Parabéns pelo blog. Postagens magníficas.Bjsss, Gracita.

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