quinta-feira, 4 de julho de 2013

Meu nome é Pilgrim. Scott Pilgrim


E eu nunca estive TÃO contra o  mundo como hoje.
Como, aliás, no último ano. Por que? porque tive um filho.
E quando você tem um filho, seus valores - aqueles que, para os outros, eram só características esdrúxulas - se tornam práticas vivas, densas.

Tudo porque você inevitavelmente tentará estendê-lo a sua cria e se isso for inconveniente para os outros, aposto contigo: eles irão cair em cima. E aí você tem que resgatar seu lado animal - sem dó, nem piedade, nem bons costumes - para fazer valer a sua voz, seu urro e sua mordida. Enquanto você tem uma, porque depois a criança cresce e não adianta tentar aparar arestas.

Então que minha vida anda "x The World". Só que sem o lance de murros.
A briga agora é por educação.

O problema é tentar educar uma criança dentro de um mundo deseducado, deselegante, desrespeitoso. O problema é falar em educação e em ética, quando os detalhes são considerados 'idiotices' e o perigo dessa distorção de valores não fica à espreita: está perto e invade todos os seus esforços, subvertendo os vícios como coisas positivas por serem tradicionais.
O problema é falar hoje em 'educação' de forma concreta, quando a palavra virou uma abstração, um manual de etiqueta ou, no máximo, um cursinho pré-vestibular que guiará a humanidade à carreira dos sonhos.

Chove gente para dizer que certo produto/remédio/afins faz bem porque o filho da irmã da vizinha sempre consumiu e está vivo até hoje.
Chove gente para dizer que o bebê de 1 ano quer comer a guloseima - mesmo ele nunca tendo provado - e que é maldade não deixar que ele prove as coisas boas da vida.
Chove gente para dizer que não é machista e homofóbica e racista, mas na primeira chance, distingue brinquedos e cores por gênero, ofende alguém apelando pela sexualidade (ou por sua opção sexual), por sua cor, por sua condição de vida, ou diz que o bebê será um garanhão/conquistador/macho todo.
Chove gente que simplesmente não consegue conceber uma educação desprovida de violência. Dizem que o tapinha educa. Que os 'mal educados' só são assim por 'falta de palmada'.


Não há como não se sentir impotente, por zilhares de vezes. Já cansei de discutir com as pessoas mais próximas, e que cuidam do meu filho quando não estou presente. Já cansei de ver olhares ou comentários irônicos lançados a mim. Já cansei de perceber falsos consentimentos aliados a pequenas 'infrações'. E quando digo infrações é porque minhas orientações sobre como cuidar do meu filho são notadamente consideradas como 'regras'. E, pior, regras esquisitas de uma pessoa esquisita e caixias da qual não vale a pena discutir.

Tenho tanto medo disso. Porque sei que o Javier está crescendo rapidamente, e mesmo novinho assim, já entende as sutilezas, saca as divergências e as tensões entre os discursos - os meus e os dos outros. E todos os dias acordo com medo sinceramente, de que ele acabe pendendo para o discurso mais fácil, porque a insistência é bruta e o 'fácil' e  o 'hedonista' atraem porque jogam baixo.  E isso só vai aumentar quando ele for à escola, quando a socialização cumprir com o resto da tarefa ardilosa.

Não questiono, em nenhum momento, o fato de que que a maioria das pessoas querem que seus filhos sejam felizes, saudáveis.. mas conto nos dedos os pais e mães que tentam sair da zona de conforto para encontrar respostas mais profundas e sutis sobre como cuidar de seus filhos para um mundo que já é torto demais.

A verdade, caros e caras, é que já nos entortaram. Já nos entregaram verdades prontas para reproduzirmos, confortos que nos tiram a capacidade de questionar. Pior, talvez, já nos entregaram um mundo em que as dificuldades sociais são mascaradas como problemas pessoais. "E o problema é seu, dos meus cuido eu".
Se seu filho não consegue absorver isto, e ele rompe a culturinha fast-food com seu próprio ritmo, há soluções para isso: remédios, palmadas, agressões verbais de parentes e amiguinhos até que ele fique perfeitamente moldado às circunstâncias.

Se cada criança que nasce traz consigo uma nova perspectiva, inclusive de mundo, o que estamos fazendo com elas? tolhendo seus gritos, suas alegrias, suas noções de felicidade - se forem desprovidas do 'sucesso financeiro' - de humanidade, de liberdade, de respeito.  O que é que é errado aí? Quem está tirando o prazer da vida aqui?

Quando o Javier ainda estava na minha barriga, o que eu mais queria era que o mundo ficasse perfeito para ele. Hoje quero que meu filho cuide bem do mundo, e cuide bem de si, do jeito dele.
Ele não é, de modo algum, um papel em branco onde pretendo fazer um desenho meu, só meu, para depois admirá-lo. Prefiro vê-lo como o artista, que tem o papel e  caixa de lápis de cor às mãos. E todas as possibilidades de desenhar o que quiser. E não serei eu quem vai quebrar as pontas de todas as cores, só porque lá fora só usam a cor cinza. E só porque dizem que cinza é ''o certo''.

"Sim, filho, você pode comer carne.
Mas só agora que você entende que se trata de um animal morto por luxo de consumo. Era uma vaca, uma galinha, um peixe. E agora está morto.

Sim, filho, você pode usar a camisa rosa.
E pode brincar com a boneca e com as panelas.
Todas as cores e todos os brinquedos têm o mesmo valor. Basta que você queira brincar.

E não, não chame seu amigo de 'veado' ou 'sapatão'.
E não se ofenda se alguém o chamar assim. Esse amiguinho, no mínimo, não foi respeitado em sua integridade. Do contrário, não teria noções agressivas dos outros também. "

Então, sim, se é necessário, contra todos os pedaços de mundo que tentam revirar as coisas de cabeça para baixo e fazer com que os valores que me são tão caros sejam pisoteados pela caravana do aqui-agora-é-assim-e-pronto, antes mesmo que meu filho seja apresentado a eles para, no mínimo, questioná-los.

Meu nome é Pilgrim. Scott Pilgrim.
E de todas as batalhas que travei na vida
Esta é, decididamente, meu primeiro 'chefão'.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...