sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Experiências de parto

Venho aqui para um humilde pedido às senhoras, senhoritas, senhorias que já tiveram filhos!

Com a intenção de realizarmos uma radiografia preliminar sobre a situação dos nascimentos de Alagoas, a fim de elaborarmos nosso dossiê sobre a situação obstétrica no estado, estamos compartilhando este questionário. É fácil de responder, rápido e vai nos ajudar muito, demais mesmo.

Peço um tempinho e uma pequena dose de boa vontade para respondê-lo:

https://docs.google.com/forms/d/102pNkVwqSwX4gAuTvMFhNyxx6ebfgTUdCfsp66HNgpM/viewform

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Machismo entre amigas

 

                                                

No domingo passado pedi perdão para uma amiga.
Acredito que tenha sido o pedido de desculpas mais sincero dos últimos anos (não que os outros não o fossem).
Pensei que não teria coragem de dizer a ninguém o que fiz de tão errado para ter pedido-o-pedido-de-desculpas-mais-sincero-dos-últimos-anos, mas eis-me aqui: contando para o mundo. (Vou contar tudo, menos o nome dela)

Não que isto seja alguma daquelas sensações inconscientes de redenção através da confissão. Minha herança católica perdida nunca foi de partir para esse rumo. Nada disso.
É que ficou uma lição tão importante que acredito firmemente que deva ser compartilhada para além da vergonha que sinto hoje.

Estávamos no fim da adolescência, ou no meio, não sei exatamente. E a minha amiga curtia livremente sua vida.
Ela saia quando queria. Beijava em quem sentisse vontade.

Apesar de todo o manual a que fomos condicionadas a crer que isso era errado.
E que só os meninos faziam isto, porque é da NATUREZA deles, não da nossa
Ela fazia as coisas do jeito dela. e seguia sua própria natureza.

os olhares começaram a ficar tortos. aqui e ali ouviam-se comentários maldosos, de um desrespeito disfarçado com perfeitas vestes de um moralismo. Aliás, vamos dar nomes aos bois e sermos diretos: o que o moralismo cobria (e muito mal) era um machismo atroz.

E eu ME incomodei.
Não com os maldosos, desrespeitosos, que tão cruelmente boatavam por aí
mas com a CONDUTA da minha amiga. que era livre, feliz, que exercia seu pleno direito sobre o SEU corpo e a própria vida,

Chamei-a para um canto e, duramente, despejei todo o meu machismo revestido de LIÇÃO DE MORAL..
acreditava, como tantos outros acreditam, que estava fazendo o certo,
falando certo,
que era para o BEM dela.

Passamos meses sem trocar uma palavra.

eu me perguntava o motivo da frieza.  Ela teria entendido o recado? repassava na minha mente toda a conversa (em que ela ficava calada quase o tempo inteiro) e não, não conseguia encontrar nada de errado no que eu tinha dito. Ela um dia haveria de entender e me agradecer por eu ter sido a amigasincera que abriu seus olhos.


Pouco a pouco, fomos restabelecendo nossa amizade.

E eis que quem abriu os olhos fui eu.
Leituras e lições reais de vida( e não de moral) me tiraram da cortina de fumaça. Comecei a estudar e a reproduzir tudo o que passava a entender sobre como nós, mulheres, sofremos. Uma violência que está no estupro e na palavra. Porque, aliás, as palavras também nos violentam dia a dia. E nós as naturalizamos ao tentar nos esquivar delas.

E quando não conseguimos evitar a violência, somos condicionadas a pensar que nós é quem fomos as erradas.

Eu nasci num mundo assim. de certos e erradas. Fui criada assim. Para todos os lugares que fui, era assim. É assim que as mulheres pensam quando passam pelas ruas e ouvem assobios e comentários pela roupa que vestem, pelas escolhas que fazem.

São formas de violência que só são vistas quando o corte é físico.
Não conseguimos lidar com uma dor (que, certamente, também é física) emocional pela simples condição de sermos mulheres. E reproduzimos isso.

E eu soube reproduzir com, digamos, uma sangrenta maestria. Todo o preconceito, toda a história de violência contra a mulher foi despejada naquelas palavras que disse à época a minha amiga.
depois de meses intrigada e alguns dias aflita (quando então soube o motivo), decidi procura-la:

Se hoje quero lutar por uma violência de gênero institucionalizada, seja na obstetrícia, ou na política, ou onde quer que seja, é no mínimo incoerente que eu não lute contra o meu sutil (e não menos massacrante) machismo.
que machucou minha amiga,  que me machucou.
Quase acabou com a amizade que tínhamos.

Ela me perdoou.
E eu prometi que carregaria por toda a vida essa lição.
E que por mais que a mágoa tenha ficado entre nós (porque fica),
vou fazer desse limão um rio de limonadas, para não permitir que nada parecido se reproduza impunemente onde eu estiver presente.

...
seria um fim feliz para a história,

só que não.


Em meio à conversa de pedido-de-desculpas, minha amiga dispara:
"lembra daquele dia em que falei sobre aquilo de você ter escolhido o parto em casa?"

Lembro, claro que eu lembro.
na ocasião, já tínhamos feito as pazes. Eu já estava no fim da gestação e me envolvia em (mais) uma discussão sobre minha escolha em parir em casa. Em meio às conversas, ela disparou algo como: "você quer que seu filho morra".
Não preciso dizer que, diferentemente dela (que ficou em silêncio quando fui lhe dar a lição de moral-machista), praticamente voei em cima (calma gente, com palavras).

Ela então continuou:
"quando você foi para a cesárea, eu ia até te dizer algo como 'eu te avisei', mas sabia que não era legal no momento..."

mas que merda (desculpa o palavrão, mas foi mesmo o que eu pensei)
ela entendeu nada, ou quase nada do que eu falei!!

lembrou do desfecho do meu parto domiciliar - a transferência para o hospital e a cesariana - como um reforço para o tremendo preconceito de que minha escolha por parir em casa era uma loucura (foi a decisão mais sábia que já tomei na vida.. pena não ter sido tão sábia na logística toda)

...

Todo mundo sabe que sou uma pessoa que fala muito quando quer, principalmente quando estuda e conhece o que diz.
Que tanto sou a favor do parto humanizado e do parto domiciliar em gestantes de baixo risco,
que hoje estudo sobre isso.  Que estudo o parto humanizado JUSTAMENTE em contraposição à violência obstétrica, que é mais um tipo de violência CONTRA A MULHER.

Quando ela me soltou aquele exemplo, instintivamente quis lhe contar sobre tudo o que ela NÃO sabia: como foram os três dias em que fiquei em trabalho de parto,
que foram as intervenções da equipe e da família que atrapalharam minha vida,
que da próxima vez vou ter um parto em casa de verdade, porque não terão médicos, e sim parteira!
que todo um aparato mundial de evidências científicas já confirmou  que o parto domiciliar é mais SEGURO do que um parto hospitalar,
que levantamentos indicam que uma a cada quatro mulheres sofrem violência obstétrica,
que as dores do parto são muito mais as dores da violência obstétrica,
que no hospital-seguro, eles te mutilam, te mandam fazer o que o corpo não está preparado, te colocam hormônios sintéticos, te fazem cortes abdominais profundos sem necessidade dos quais tecnologia de pontos jamais poderá fazer com que teu corpo volte ao normal,
que te obrigam jejum e ingestão de líquidos, mesmo que seu parto demore horas,
que te obrigam a ficar deitada, o que aumenta a dor e fará te pedir uma anestesia que lhe fará perder o comando sobre seu corpo,

que o desconforto respiratório que meu filho sofreu é fruto da cesariana,
que a maior causa de infecções, mortes maternas, problemas com amamentação, depressão pós-parto, obesidade infantil, problemas com vínculo mãe-bebê, acontecem em decorrência da cesariana,
e que hoje em dia ela ultrapassou o número de casos de parto normal,
e que a OMS estabelece que apenas 15% dos partos sejam de cesariana.

que meu filho (e o de todo mundo que nasce em hospital) perdeu 30% do sangue com um corte no cordão umbilical precoce..

que todas, todas as pesquisas históricas revelam claramente que o comentário dela é um senso comum reproduzido
graças a uma história médica
cujos paradigmas do corpo
sobretudo do corpo feminino são,
simplesmente,
machistas.

...
eu me magoei, de verdade, ao vislumbrar a ideia de que ela ainda ache estar certa sem ter sequer conversado comigo sobre o assunto.

e eu podia ter falado tudo isso nesse domingo,
mas desta vez, fiz como ela: silenciei

sei que não poderia esperar dela um posicionamento diferente, quando até amigas brilhantes que são estudantes de medicina (e mulheres!) ignoram todos esses fatos em nome de uma cultura tecnicista e machista reproduzida ainda na faculdade em que estudam.

mas transformo essa mágoa numa esperança de que, de todo o coração,
ela abra os olhos (e isto é uma lição de vida, não de moral):
antes que seu próprio corpo e o dos filhos que ela venha a ter sofram com mais essa agressão.

De um modo ou de outro,
não deixarei mais nunca que o machismo nos separe,
espero trabalhar muito para que a luta contra ele nos alerte,
e nos una.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Meu nome é Pilgrim. Scott Pilgrim


E eu nunca estive TÃO contra o  mundo como hoje.
Como, aliás, no último ano. Por que? porque tive um filho.
E quando você tem um filho, seus valores - aqueles que, para os outros, eram só características esdrúxulas - se tornam práticas vivas, densas.

Tudo porque você inevitavelmente tentará estendê-lo a sua cria e se isso for inconveniente para os outros, aposto contigo: eles irão cair em cima. E aí você tem que resgatar seu lado animal - sem dó, nem piedade, nem bons costumes - para fazer valer a sua voz, seu urro e sua mordida. Enquanto você tem uma, porque depois a criança cresce e não adianta tentar aparar arestas.

Então que minha vida anda "x The World". Só que sem o lance de murros.
A briga agora é por educação.

O problema é tentar educar uma criança dentro de um mundo deseducado, deselegante, desrespeitoso. O problema é falar em educação e em ética, quando os detalhes são considerados 'idiotices' e o perigo dessa distorção de valores não fica à espreita: está perto e invade todos os seus esforços, subvertendo os vícios como coisas positivas por serem tradicionais.
O problema é falar hoje em 'educação' de forma concreta, quando a palavra virou uma abstração, um manual de etiqueta ou, no máximo, um cursinho pré-vestibular que guiará a humanidade à carreira dos sonhos.

Chove gente para dizer que certo produto/remédio/afins faz bem porque o filho da irmã da vizinha sempre consumiu e está vivo até hoje.
Chove gente para dizer que o bebê de 1 ano quer comer a guloseima - mesmo ele nunca tendo provado - e que é maldade não deixar que ele prove as coisas boas da vida.
Chove gente para dizer que não é machista e homofóbica e racista, mas na primeira chance, distingue brinquedos e cores por gênero, ofende alguém apelando pela sexualidade (ou por sua opção sexual), por sua cor, por sua condição de vida, ou diz que o bebê será um garanhão/conquistador/macho todo.
Chove gente que simplesmente não consegue conceber uma educação desprovida de violência. Dizem que o tapinha educa. Que os 'mal educados' só são assim por 'falta de palmada'.


Não há como não se sentir impotente, por zilhares de vezes. Já cansei de discutir com as pessoas mais próximas, e que cuidam do meu filho quando não estou presente. Já cansei de ver olhares ou comentários irônicos lançados a mim. Já cansei de perceber falsos consentimentos aliados a pequenas 'infrações'. E quando digo infrações é porque minhas orientações sobre como cuidar do meu filho são notadamente consideradas como 'regras'. E, pior, regras esquisitas de uma pessoa esquisita e caixias da qual não vale a pena discutir.

Tenho tanto medo disso. Porque sei que o Javier está crescendo rapidamente, e mesmo novinho assim, já entende as sutilezas, saca as divergências e as tensões entre os discursos - os meus e os dos outros. E todos os dias acordo com medo sinceramente, de que ele acabe pendendo para o discurso mais fácil, porque a insistência é bruta e o 'fácil' e  o 'hedonista' atraem porque jogam baixo.  E isso só vai aumentar quando ele for à escola, quando a socialização cumprir com o resto da tarefa ardilosa.

Não questiono, em nenhum momento, o fato de que que a maioria das pessoas querem que seus filhos sejam felizes, saudáveis.. mas conto nos dedos os pais e mães que tentam sair da zona de conforto para encontrar respostas mais profundas e sutis sobre como cuidar de seus filhos para um mundo que já é torto demais.

A verdade, caros e caras, é que já nos entortaram. Já nos entregaram verdades prontas para reproduzirmos, confortos que nos tiram a capacidade de questionar. Pior, talvez, já nos entregaram um mundo em que as dificuldades sociais são mascaradas como problemas pessoais. "E o problema é seu, dos meus cuido eu".
Se seu filho não consegue absorver isto, e ele rompe a culturinha fast-food com seu próprio ritmo, há soluções para isso: remédios, palmadas, agressões verbais de parentes e amiguinhos até que ele fique perfeitamente moldado às circunstâncias.

Se cada criança que nasce traz consigo uma nova perspectiva, inclusive de mundo, o que estamos fazendo com elas? tolhendo seus gritos, suas alegrias, suas noções de felicidade - se forem desprovidas do 'sucesso financeiro' - de humanidade, de liberdade, de respeito.  O que é que é errado aí? Quem está tirando o prazer da vida aqui?

Quando o Javier ainda estava na minha barriga, o que eu mais queria era que o mundo ficasse perfeito para ele. Hoje quero que meu filho cuide bem do mundo, e cuide bem de si, do jeito dele.
Ele não é, de modo algum, um papel em branco onde pretendo fazer um desenho meu, só meu, para depois admirá-lo. Prefiro vê-lo como o artista, que tem o papel e  caixa de lápis de cor às mãos. E todas as possibilidades de desenhar o que quiser. E não serei eu quem vai quebrar as pontas de todas as cores, só porque lá fora só usam a cor cinza. E só porque dizem que cinza é ''o certo''.

"Sim, filho, você pode comer carne.
Mas só agora que você entende que se trata de um animal morto por luxo de consumo. Era uma vaca, uma galinha, um peixe. E agora está morto.

Sim, filho, você pode usar a camisa rosa.
E pode brincar com a boneca e com as panelas.
Todas as cores e todos os brinquedos têm o mesmo valor. Basta que você queira brincar.

E não, não chame seu amigo de 'veado' ou 'sapatão'.
E não se ofenda se alguém o chamar assim. Esse amiguinho, no mínimo, não foi respeitado em sua integridade. Do contrário, não teria noções agressivas dos outros também. "

Então, sim, se é necessário, contra todos os pedaços de mundo que tentam revirar as coisas de cabeça para baixo e fazer com que os valores que me são tão caros sejam pisoteados pela caravana do aqui-agora-é-assim-e-pronto, antes mesmo que meu filho seja apresentado a eles para, no mínimo, questioná-los.

Meu nome é Pilgrim. Scott Pilgrim.
E de todas as batalhas que travei na vida
Esta é, decididamente, meu primeiro 'chefão'.

domingo, 23 de junho de 2013

de mãos dadas

Fernandes Lima no início do protesto em Maceió 20.06

Agora levanta a mão quem acreditava que, se um dia o carnavalesco e futebolístico país decidisse se aglomerar diante de motivações políticas, o rompante seria uníssono.
Se todos teriam as mesmas reclamações. As mesmas opiniões. Vestiriam a mesma camisa. Teriam as mesmas ações, a mesma agressividade ou passividade.
Teriam, no mínimo, a mesma noção de localização, de espaço, de história?
Saberiam todos contra quem ou pelo quê estariam marchando e gritando rimas de ordem?

Duvido muito que alguém tenha levantado a mão e, daqui do outro lado, quase posso ver aquele olhar de "mas é claro que não, mas..."

Tem muita gente criticando o que tenho escrito pelo facebook. Achando irracionalmente otimista, para não dizer o mínimo.
São pessoas que começaram animadas com a mobilização e, ao verem emergir todos os problemas de senso comum e daquela superficialidade passível de ser manipulada,
optaram por se revoltar contra 'A Revolta', ironizar e avacalhar tudo o que acontece e, desiludidas e ofendidas, se afastar da multidão que agora reclama.
"Não basta ir às ruas. É preciso ter direcionamento do que se quer reivindicar", dizem. E estão corretos.
Mas estão, no mínimo, precipitados, ao acreditar que essa multiplicidade de pautas significa a derrocada.

Prefiro pensar em começo. Prefiro pensar que faz parte. Prefiro pensar que, de fato, se um dia algo como um milhão de pessoas se manifestassem em todo o país, não poderia ter sido diferente. Poderia?

Porque, para começar, muitos ólogos se vivos estiverem, devem estar inquietos ao terem escrito que, com essa cultura consumista, virtual, televisionada, simplesmente seria improvável uma reunião tão grande de gente em espaço comum para dizer o que diziam individualmente, ou quase só pensavam: não estamos gostando de nada disso.
As desilusões políticas, que por tanto tempo geraram apatia e buscas por um bem estar imediato e invididual, quase que inesperadamente tomaram conta de quem antes sequer queria pensar ou acreditar em mudanças. O que antes só parecia correr por cabos USB se transformou em sangue que esquenta e inflama numa multidão em marcha.

O problema é que se trata exatamente disso: de uma multidão em marcha. Não mais aquelas poucas dezenas ou centenas de pessoas orientadas politicamente por movimentos específicos que fecham a Fernandes Lima, enquanto a multidão, ainda sozinha, assiste tudo e se limita a minimamente apoiar ou criminalizar.
Agora se trata de uma multidão que, desordenada-bagunçada-e-permeada-de-sensos-comuns - deixou a TV e foi às ruas, lidar com o que os partidos e movimentos e as periferias já lidavam dia a dia.
A multidão chegou assim, de pára-quedas,e não quis que esses partidos e movimentos - que sempre estiveram às ruas e nunca quiseram ou puderam relaxar ou descansar em berço esplêndido -  tirassem suas bandeiras e se juntassem unicamente enquanto 'povo'. A apatia política do 'povo', que não quer saber quem é mocinho ou bandido, se transformou em fúria desmedida, ignorante e elevada a níveis violentos, contra tudo o que lhes pudesse lembrar a organização política atual. A democracia que emana do povo se contradiz ao querer oprimir a liberdade de uma parcela desse mesmo povo que quer -e, graças à democracia - tem o direito de levantar suas bandeiras.

Certo. Agora sim encontramos um problema importante. O povo se volta contra o povo. A multidão se volta contra quem sempre quis pleitear os direitos dessa mesma multidão. E essas pessoas orientadas historicamente, que deixaram o senso comum e entendem essas nuances, desiludem-se, frustram-se, entristecem e... se abstêm. Caem fora.
Dentro das discussões nas redes sociais, começa a surgir mais e mais imagens do recém ''movimento dos sem partidos'', enquanto que começa a ficar cada vez mais rara a intervenção dos que compreendem o que está acontecendo. Sejam eles com ou sem partido.

E aí, esses mesmos 'mais entendidos' tiram sarro, avacalham e..se afastam. Não entram para a discussão. Não aproveitam esse instrumento e fenômeno tão improvável e fantástico -a multidão individual que enfim se reúne - para discutir os problemas que permeiam a cidade, para apresentar/reforçar/ insistir e dialogar as diferenças e incompreensões políticas que são tão, mas tão naturais. Não entram no embate, respondendo pessoa por pessoa, porque "é cansativo e talvez nem surta efeito".

E anos depois sonharão e lembrarão de como desejaram que as mentes do senso comum migrassem para um novo senso comum: o senso de comunidade. Mas chegou tão perto! - pensarão - ao lembrar do que pretendiam quando iniciou toda a 'erupção': melhorar as condições de vida - começando pelo transporte - dos brasileiros. 

Talvez a política só precise de um pouco de poesia, afinal,
de um pouco de Drummond pedindo aos taciturnos que voltem a se nutrir da grande esperança acendida há poucos dias. E por trás de seus óculos redondos, segurasse o megafone daqueles trios polêmicos, e anunciasse o que precisamos lembrar para continuar:

O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.



terça-feira, 30 de abril de 2013

Na medida do impossível

Caos of God - imagem retirada de urbanarts.com.br
Se tem uma coisa da qual o inferno está cheio é de normas, politiqueiros, pseudomoralistas, abusadores (inclusive de poder)
e,
claro,

de boas intenções. 

Estando eu cheia delas, e não as pondo em prática, já consigo sentir meu pezinho caindo no submundo profundo com suas mãos assustadoras, mas acho que ainda há salvação e justifico.
(sabendo bem que desculpas esfarrapadas também não são vistas com bons olhos..)

Ocorre que aconteceram tantas  coisas das quais não tratei, mesmo com muita vontade, que acabei deixando mesmo passar batido por aqui.
Larguei o emprego e, aparentemente, deixei para trás cinco anos de jornalismo (sobre isso, escrevi muito metaforicamente em postagens anteriores, mas, paciência, tratarei disso com mais objetividade). 
Voltei a ser estudante (Meia entrada, How). Depois de dois anos tentando, comecei um mestrado em Ciências Sociais, que está me fazendo ter que pintar o cabelo novamente antes do esperado.
É. Tá tudo branco. E eu continuo arrancando cabelos brancos (já ouviram falar sobre pulsão de morte? É menos mórbido do que parece)

Só que eu queria, e mais do que isso, precisava pensar e me voltar a outras coisas que não as referentes ao filhote. Fiquei muito tempo imersa nas leituras sobre maternagem e acabei deixando de lado tudo o que me era caro antes da gravidez. Isso é perfeitamente normal, e foi necessário, já que fiquei grávida no susto tinha muito o que eu não sabia sobre essa coisa de ter filhos e precisei me firmar enquanto mãe para afugentar a palpitaria alheia, encontrar meus próprios meios de criar e educar e ser educada por este minimim controverso.

Então, agora, além de produzir leite materno, também preciso produzir artigos, apresentar impressões sobre textos. E longe de achar isso ruim, sacrificante, pedante, cansativo, acho tudo muito refrescante. Não fosse um bebê de um ano que decidiu antecipar a fase gremlin e correr para o perigo tal qual adolescente rebelde me pleiteando atenção em tempo integral.

Além do mestrado, cuja pesquisa é sobre parto humanizado (quem diria hein?), estou tentando levar a frente um projeto antigo, o Unidos Leremos,  que ficou na geladeira enquanto ainda curava a falência da locadora de livros, a Literatus véiadeguerra. Tudo isso em meio a uma nova situação financeira. Estou desempregada, afinal, oras.

Como não bastassem, também há as ruminantes situações suspensas de cada dia, aquelas velhas confusões que nunca se resolvem (porque resolvidas estão, ou porque essas porcarias deveriam ter sido deixadas para trás mesmo), as perspectivas, as dúvidas e as certezas caídas por terra, os livros deixados pela metade, o sono acumulado, os filmes, o namorado que deve pedir as contas em breve porque praticamente não recebe atenção, e as outras pequenas coisas das quais não interessam a todo mundo também né?

Mas há coisas que me fizeram querer abrir berreiro: marcos felicianos, redução de maioridade, a aprovação das leis para empregadas domésticas, a PEC que tem gerado polêmica querendo reduzir a atuação do Ministério Público. Meus dedos coçavam para vir aqui dar pitacos sobre tudo e mais um pouco, 
mas tive que ser firme, 
e priorizar outras coisas.
Ok, a quem quero enganar?
Não foi firmeza nenhuma, só ando governando minha vida na base de paliativos contra as emergências que surgem. Apagando fogos, fazendo obras emergenciais sem licitação. 

É isso, ela, a minha vida, está um caos,
mas tá tudo bem!
e quando passar, sei que sentirei saudades.

por isso tentarei retornar aqui com uma frequência mais digna. É uma promessa.

quinta-feira, 28 de março de 2013

o que importa


 Ainda bem que o Javier nasce no dia 7 de abril. Isso me dá tempo. Tempo para separar a alegria de uma tristeza incômoda, chata, que eu jurava que não perceberia. Ou que se  percebesse, não seria com tanta insistência depois de tanto tempo. Um ano!

Acontece que foi numa quinta-feira 'santa' como esta que ele começou a mostrar sinais de chegada.  Os tais pródromos - eram contrações leves e irregulares, como cólicas - não me deixaram dormir de ansiedade e euforia ao mesmo tempo. Ele viria para mim. Finalmente conheceria meu pequeno. E ele nasceria em casa.  Depois de meses de leituras, discussões, negociações, desembolsos e organização de cada detalhe, conseguia preparar 'tudo' para que ele nascesse naturalmente, no melhor lugar do mundo: seu lar.

Pronto. É exatamente neste ponto que a dor desponta. Olho para a marca de cesariana embaixo da minha barriga: uma curva que parece o sorriso do smile, só que é aquele sorriso sem graça nenhuma. O sorriso que virou uma resposta-padrão a quem acompanhou minha frustração (sim, identifiquei, é essa a maldita sensação que não passa) e me soltou a velha-clichê-mentira de que o que importa é que vocês estão bem. (Não, não era isso o que importava. Primeiro porque a tristeza de não ter parido nunca vai suprimir a alegria de poder encontrar o Javier nesta vida..ou vice-versa). Segundo porque se ele tivesse vindo naturalmente, estaríamos 74836573647 vezes melhores. Nós dois.

A marca da cesariana, hoje, está mais discreta do que há um ano. Naquele dia, eu não conseguia vê-la porque, depois de uma cirurgia abdominal, você não consegue ter elasticidade o suficiente para conseguir fazer quase nada, muito menos olhar para baixo de sua barriga recém manipulada e recortada e colada).

As memórias vêm para mim como aqueles flashes do Lost. Ora lembro da alegria desmedida de sentir as contrações com tempo regulares. Ora lembro de quando tudo começou a perder a graça, da casa cheia contra a minha vontade, das vozes apreensivas com a demora, me mandando fazer isso ou aquilo. Ora lembro de quando, logo no início de tudo ainda sozinha de madrugada, comecei a contar as contrações num site da internet toda feliz da vida. E aí me vem em mente o dia seguinte: a voz que estava na minha casa me dizendo o que eu deveria fazer. Me mandando sair do chuveiro quente. Me dizendo que era hora de fazer o toque. Me dizendo o que era uma contração boa e uma contração fraca. Me dizendo que eu tinha que fazer exercícios.E quando eu parava, me dizia que 'eu não estava ajudando'. Eu adorava ficar só, embaixo do chuveiro. E a voz dizia ser errado.. Deixei-me conduzir ao erro na tentativa de fazer o certo, coisa comum, mas não justificável,

 Depois de tudo o que fiz e deixei de fazer, Javier nasceu num sábado de aleluia, depois de uns ultimatos do obstetra que dizia esperar até meio dia, e depois estendeu para as 14h, quando então fui para a maternidade.

Eu tinha organizado um parto domiciliar com tantos acordos e tantas promessas de que seria flexível aos profissionais que me assistiam - para que topassem me assistir-, que deixei de ser flexível comigo mesma.
Eles fizeram o que podiam, o que sabiam. Eu é que não fiz o que podia e sabia. Porque eu podia parir. E sabia que o Javier e meu corpo teriam plena capacidade de dialogar para que tudo acontecesse como deveria.

E o que eu deveria? Dizer que seria do meu jeito e pronto. Que ia montar cabana embaixo do bendito chuveiro. Deveria segurar uma faca e ameaçar fazer uma cesariana à moda antiga em quem sonhasse em encostar em mim. Ou anunciar que cortaria os dedos de quem quisesse me fazer um toque. Ou garantir que enfiaria a bola de pilates goela abaixo de quem me dissesse para não parar de exercitar 'para que o bebê finalmente descesse'.


Vem a culpa, com fé agora. Ele tinha tudo para chegar naturalmente. Eu prometi para ele que seria assim. Era a ele, só ao Javier, que eu deveria qualquer tipo de compromisso. Era ao meu corpo, só ao meu corpo, que eu deveria qualquer tipo de satisfações.E eu prometi que o ouviria. Que eu me ouviria. Que confiaria em nós e nos nossos corpos, e nas nossas almas.

A marca que tenho hoje é, sobretudo, de uma promessa não cumprida. E de uma responsabilidade que era unicamente minha, de mais ninguém.
Eu desisti. Por cansaço.
Medo, garanto-lhes, procurei-o no mais profundo de mim e não encontrei em canto nenhum, em nenhum momento, nem naquela época, nem hoje.
Eu simplesmente cheguei em um ponto em que me deixei levar. Em que estava esgotada de tantos exercícios, e ao mesmo tempo em que não conseguia descansar, também não tinha preservado minhas energias quando podia ( já que estava fazendo milhares de exercícios inúteis)

Não era a dor física (tive uma dor de dente, há alguns meses, que me doeu 974364736 vezes mais). Era cansaço. Puro cansaço.

Hoje lembro de, quando ainda grávida, uma das militantes pelo parto humanizado da qual nutro maior respeito me disse claramente:  se você não se prepara para o parto natural antes, não adianta tentar correr atrás do prejuízo durante o parto.
E então volto e me lembro que não, eu não tinha preparado direito as coisas dentro de mim. Eu não fui radical o suficiente para confiar em meu próprio corpo e mandar que o mundo se danasse. Porque na hora do parto, se a mulher não esquecer o mundo - esse mundo que crê na 'cesárea salvadora' - ela não vai parir. Porque ela se distanciou muito da natureza, de sua própria natureza, para conseguir voltar com tanta rapidez.

No meu caso, foram quase 24 anos me distanciando cada vez mais de mim, enquanto alguém com corpo. Tentava conceber a mim mesma enquanto espírito, enquanto mente, enquanto uma porta ou uma lareira, mas não enquanto corpo. Estudava  na escola o ser humano como 'algo' todo dividido. De um lado, biológico. Do outro, social. Do outro, psicológico. Do outro, físico.
E, lá, na escola, na televisão, aprendemos a ter ideias imaginárias de nós mesmos desse jeito, como se pudéssemos fazer com que a mente prevalecesse sobre o corpo ou o corpo sobre a mente, ou ambos sobre a natureza -e, ora, a mente faz parte, e é o corpo.

Então comecei a ler Edgar Morin e ficava extasiada com a crítica que ele fazia a essa concepção cheia de fragmentação. Enquanto isso, cadê a tal da praxis, gente? Vivi me fragmentando.
Agora, tento compreender isso tudo. Tento pesquisar isso tudo. E tudo começa a se encaixar, a fazer sentido. Só sinto pena que meu filho tenha pago tão caro por essa minha ignorância.
Não me julgo, só constato: ignorar a si é como ignorar a lei.. Não adianta transgredir e depois tentar justificar alegando desconhecimento.

 A frustração e a sensação de culpa por tê-lo recebido num hospital frio, extraído sem que tenha cumprido com sua jornada de nascimento até o fim - recebendo toda a ocitocina e hormônios e bactérias necessários -, a culpa por não ter sido a primeira a vê-lo quando chegou, por não ter lhe dado um abraço, por não ter deixado seu cordão  em paz até que parasse de pulsar, tudo isso vai ficar comigo.

Javier fará um ano no dia 7 de abril. É um bebê como qualquer bebê de um ano, nascido por cesariana ou por parto humanizado. É mesmo???
O que vai ficar com ele, depois de um nascimento tão frio (por mais boa vontade que tenha existido ao redor, reconheçamos a distorção da assistência ao nascimento, por favor!), talvez nem ele mesmo saiba. Não conscientemente. Mas um nascimento é um nascimento. Se desnaturalizamos e desumanizamos um momento como esse, que dirá de todos os outros que acontecerão com nós, AINDA humanos?

E para os ainda humanos, nada como a máxima do obstetra francês Michel Odent, que diz e age conforme o que acredita.
E ele acredita que
para mudar o mundo, primeiro é preciso mudar a forma de nascer.


Javier fará um ano no dia 7 de abril.
E no dia 7 de abril, prometo que estarei feliz como nunca
celebrando sua vida, nosso encontro,
  a chegada do serumaninho que me fez a pessoa mais feliz e cheia de adrenalina (e ocitocina) do mundo.

mas também não largarei mão dessa tristeza chata,bem o sei,
uma tristeza necessária para que eu nunca mais prometa,
mas defenda com unhas e dentes
a maior lição que aprendi.

terça-feira, 26 de março de 2013

a historinha do homem invisível




Era uma vez um homem invisível,
e era uma vez uma mulher que só acreditava no que via, 
ou no que ouvia, mesmo que necessariamente não visse. 
Então ela começou a ouvir uma voz doce, um tanto rouca, 
uma voz que parecia cansada e depois se enchia de força 
e dizia em alto e bom som
tudo o que ela queria ouvir
era o cara invisível.

No meio desse tempo, ela via outros homens
mas o que ela ouvia deles, metade bobeira demais
metade seriedade demais,
era real demais
e não lhe interessava.
Resultado: passavam batido, invisíveis. 

Ela só via, só enxergava, aquele que ela não via. 
embora soubesse a contradição
a fria em que se metia
(ou melhor, que não se metia, porque o invisível também era intocável),
ela insistia, e insistia, e insistia. 

certa vez entrou em apuros,
procurou-o, foi em vão
enão sabia enxergar no escuro, 
não sabia tocar sem as mãos

pensava em vento, em ar, em poesia
só queria justificar e acreditar que, sim, existia o que ela não via!
ora, se ela ouvia (aquela voz que dizia que um dia apareceria)
 havia de ser real 
- em algum lugar escondido, onde as luzes podem ficar acesas -
a voz garantia
- se veriam no final

em algum mundo, planeta, 
momento perfeito, 
oitava dimensão,
restava esperar para ver o invisível,
ou achá-lo sem mais condição

e finalmente o descobriu, conseguiu tocá-lo fundo:

era só sua imaginação.




sábado, 16 de março de 2013

tudo fica bem (e todo mundo também)


"Quero ouvir uma canção de amor,
que fale da minha situação,
de quem trocou a segurança do seu mundo
por amor,
por amor."

O Mundo anda Tão Complicado - Legião


e foi mais ou menos assim:
estava na beira do mar, em pé sobre a rocha
e queria mergulhar, mas tinha medo do frio,
tinha medo de ouriços, tubarões e dragões
mas olhava encantada para dentro,
na minha aparente segurança do lado de fora,
queria, segura na margem, apreender o que havia de inseguro no escuro profundo de tudo o que é mundo,
mas tinha aprendido que o escuro, o profundo, quase sempre é errado e perigoso,

só de olhar as águas turvando o próprio interior,
confuso, já sabia que era,
mas era melhor pular logo do que acabar escorregando.


Pode ser inferno ou paraíso astral, o milênio, 2013 que chegou apesar das profecias,
pode ser meu filho, os quase 25, os cabelos brancos ou as estrias,
Mas antes de chegar abril, do fim dos ciclos, do momento da espera, de sentar em um
banco de praça,
minutos antes e fazer a mesma coisa
durante todo o resto da minha vida,
antes de me conformar e acreditar que foi para isso ou aquilo que nasci,
antes de me orgulhar por uma vida estável, apaziguável, rentável, e bastante razoável,
antes de crer em destino, na predestinação, no apocalipse zumbi, ou numa grande missão

caí fora,
(melhor seria dizer que caí para dentro, com tudo),

e mesmo sem saber se há areia, cidade grande, ou uma ilha paradisíaca logo à frente,
nada supera esse gosto de mar, a leveza das águas, a beleza de estar aqui dentro,
e não há superação maior do que deixar a velha contemplação do que-eu-queria-e-tinha-medo, para fazer meu destino com meus próprios braços e pernas exatamente-onde-quero-estar,
e por mais que o mergulho seja profundo, misterioso e confuso,
apreender daqui de dentro é muito menos turvo,
daqui de dentro, também consigo ver rochas
e bem poderia subir nelas,
mas fujo.
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