Li essa frase pela primeira vez em algum site rastreado pelo Google. Não consegui encontrar em canto algum o contexto real em que ela foi escrita, sequer o autor, mas não deixei de pensar no quão chocante essas palavras, citadas em terceira pessoa, me foram impressionantes.
Eu havia encontrado esta frase sob um ponto de vista religioso (o cara que a parafraseou – Professor MsC Fernando Leocádio - dizia que os protestantes preferiam ter uma boa renda, enquanto que os católicos preferiam dormir sem serem perturbados). Não queria entrar nesse mérito da questão, então, claro, saí questionando a algumas poucas pessoas sobre que diabos significaria essa frase, sob seus pontos de vista, porque o meu já estava previamente formado.
É bastante claro para mim este significado(mas para você pode ser claro de outra maneira): comer bem significa saciar-se financeiramente e dormir bem significa deitar sobre o travesseiro com a cabeça tranqüila. Sob minha ótica, a frase sentencia que ou você come bem, ou você dorme bem. Uma situação não pode co-existir com a outra. Não tem jeito.
Estou sendo radical? Você discorda?
Bem, vamos ver...
Vamos supor, apenas por um breve momento, que comer bem e dormir bem, no mundo de hoje, são situações que podem, sim, estar em conformidade. Eu posso viver tendo tudo o que quero, e dar minha esmola ou contribuição diária, semanal ou mensal, e ficar de cabeça tranqüila porque fiz minha parte. Se virar voluntária de uma instituição, então! Aí sim, São Pedro nem vai hesitar no meu visto para entrar no paraíso.
Acontece que há um grande equívoco conseqüente de toda essa nossa educação deficiente de que dar um pacote de bolachas aqui, e uma moeda ali é ser uma pessoa ‘boa’, ou ‘generosa’. E é a mesma coisa que o cara mais rico do mundo doar milhões para uma casa de caridade. Esses disfarces nunca diminuíram, sequer congelaram, o índice de pobreza absurda constantemente crescente no mundo inteiro. Uma pobreza absurda que só existe porque há riquezas absurdas, ao invés de uma satisfação e suficiência PLENA e para todos (sim, a tal da ‘igualdade’...)
Não adianta. Não vou falar dessa ‘igualdade’ sob o ponto de vista primordialmente político e estratégico (no sentido de obter uma solução prática), sem antes passar pelo território da consciência. Sim, a consciência! É verdade que uma ‘andorinha só não faz verão’, e que as verdades precisam estar construídas na mente de cada cabecinha, por si só, mas “cair na real” e pensar no “todo” não é uma mera questão de opinião (ou de influencia de opiniões). É questão de expandir-se... da consciência coletiva, da consciência de que todos somos, de fato, um. A pura e destilada consciência de que essa engrenagem chamada mundo deve ser movida pela justiça (justiça como meio, jamais como fim).
Sabemos apenas que nesse mundo neoliberal (onde apesar do ‘neo’, a engrenagem já gira enferrujada), “vencer na vida” é mais uma questão de passado familiar, étnico; ou mesmo uma questão de oportunidades, de “esperteza”, do que do esforço propriamente dito (segundo as limitações de cada um). E nem precisamos nos esforçar muito para lembrarmos de filmes e novelas em que uma criancinha pobre e miserável já estava na maior escuridão do túnel quando descobriu ter pais ricos, ou encontrou um bilhete premiado e ganhou uma fábrica fantástica de chocolates e foi feliz para sempre. Você lembra do quanto torceu pela personagem e do alívio porque tudo acabou bem? Bem, as coisas não são assim na vida real (essa que você está vivendo).
As crianças entram no túnel escuro e dele não saem mais. Muitas crianças adoráveis, homens engenhosos e mulheres brilhantes, senhores e senhoras com mais histórias para contar do que supõe minha vã filosofia... todos perdidos, sem bilhetes premiados, sem salvadores, heróis, bem feitores, sem reais expectativas, apenas sonhos (e olhe lá)...
Mas isso não nos toca, claro. Porque não conhecemos essa gente. Estamos protegidos dessa desgraça por nosso castelinho de vidro, por nossa ambição, por nossas drogas e nossas crises existenciais... Ficamos tão vazios por dentro que o que nos resta é procurarmos problemas pessoais e fazer com que a prova de amanhã ou a dor de cotovelo sejam os únicos problemas que nos tiram o sono.
Se conhecêssemos a miséria de perto, aí sim a questão seria muito mais pessoal. É só nos distanciarmos um pouquinho dela, que retornamos ao ponto vazio de sempre. Empurramos a engrenagem para frente com tudo e deixamos nossos irmãos, extensões de nós, esmagados por elas...
Gostaria de dizer que essa frase tem total exatidão: quem come tão bem não pode dormir bem. Mas o pior é que dorme, sim. Infelizmente há um verdadeiro comércio de anestésicos à base de egoísmo. Eu só espero que venha logo o dia em que esse anestésico não faça mais efeito nenhum em meu organismo. Espero que a miséria ‘alheia’ e a desigualdade se tornem questões tão pessoais que machuquem profundamente minha pele, minha espinha – que ela grite que sou eu a responsável por tudo isso – e grite com todo mundo também, para que as razões e as diversas opiniões sejam coisas pequenas para a imperativa e comum necessidade de darmo-nos as mãos.
Eu quero ver a gente consciente, muita gente consciente, junta, sem fome de comida, sem fome de educação, sem fome de diversão, colocando a engrenagem para trabalhar e deitando sobre o travesseiro com o sono tranqüilo de quem fez o certo, de quem fez de tudo, de quem foi ao fundo e não se iludiu com as parecenças.
Só sendo assim, posso até deixar vocês usarem aquele clichê quando eu estiver em meu sono eterno: “que durma bem e em paz”...
Gostei. Boa interpretação, bom desenvolvimento... Só de curiosidade, eu vi esse provérbio em "La Etica Protestante y el Espiritu del Capitalismo" de M. Weber.
ResponderExcluirDe: frankadvogado@yahoo.com.br