segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A ética que não cabe em um código


Talvez não seja de propósito, essa mania que eles têm de soltar essas frases de efeito que fazem com que a gente engula em seco.

Talvez seja de propósito... Talvez eles queiram que fiquemos realmente constrangidos com as desgraças que eles exibem até mesmo com malícia. Aquela malícia de quem sabe que não fomos parar ali para salvarmos ninguém. A malícia de quem sabe que miséria dá ibope. A malícia de anti-herói que já não crê que o ‘bem vai vencer’, ou que eles vão triunfar e ‘melhorar de vida’ no final da história.

História? Como diz dona Rosa, é viver um dia depois do outro. Sonho? “Que sonho, que nada. O importante é estar com a barriga cheia no dia seguinte”, responde a senhora de 54 anos que descasca sururu durante um dia inteiro para vender por dois reais e cinqüenta centavos ao final da noite.

De certo modo, não é possível que não absorvamos aquela desesperança, mas ela parece nos deixar bem rápido, a partir do momento em que entramos no carro e vamos embora, ou, na melhor das hipóteses, a partir do momento em que a matéria é publicada. “Estamos lá para denunciar esse absurdo”, tentamos convencer a nós mesmos, enquanto que lá dentro, nos confins da consciência, sentimos intimamente que estamos explorando aquela situação, sem darmos nada em troca pela ‘matéria chocante’ que eles nos ‘proporcionaram’’.

Bem, é aí que estamos razoavelmente enganados. Quer dizer, a nossa ‘contribuição’ (o termo verdadeiro seria ‘obrigação’) é dada a partir do momento em que cobramos à pessoa certa uma reposta àquela injustiça; nossa missão é parcialmente cumprida a partir do momento em que conseguimos expor na matéria uma realidade que incite aos que nos lêem buscar respostas, melhorias. Certo que o jornalismo não está aí para ‘educar’, como dizem os bons teóricos. Mas, vamos cair na real, tudo que vemos no mundo nos educa ou deseduca de alguma forma, no liquidificador que é nossa cabeça. Então, se é para acrescentarmos mais informações às pessoas, que tenhamos o pingo de responsabilidade e consciência necessárias para acrescentarmos, de fato, algo que faça com que elas despertem da sonolência dos que contam mortos, dos que simplesmente deixam de acreditar na justiça, limitando-se a comentar com a vizinha do ‘último desvio do deputado”.

E aí talvez a gente chegue à conclusão de que a malícia utilizada nas palavras da dona Rosa, da dona Maria, da dona Francisca, ou do seu José, é a malícia mais ingênua que se pode ter. Porque eles não sabem que, direta ou indiretamente, estudamos quatro anos de universidade, comemos, dormimos, e ganhamos nossos salários graças também ao descascar de sururu dela. Eles não sabem que é, sim, nossa obrigação, em troca disso, denunciar a raiz e a consequência de males como esse.

Eles podem não saber. Mas nós, mesmo que intimamente, com o leve constrangimento dos breves momentos em que estamos junto a eles, sabemos. Ou, pelo menos, eu espero que saibamos...

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