segunda-feira, 26 de outubro de 2009

P da vida em um abril de 2008


Bem mais do que os escândalos envolvendo políticos, a imprensa nacional tem noticiado todos os dias, com profunda insistência, o crime contra a menina Isabela, que foi encontrada morta caída do prédio onde moram seu pai e sua madrasta – os principais suspeitos. O caso é bárbaro: trata-se de violência e assassinato contra uma criança de cinco anos, linda, de classe média. Todo o mistério envolvendo o crime tem enchido páginas e páginas de jornais e portais de notícias, o que provavelmente é um prato cheio para quem se esbalda nos romances de Agatha Christie ou para quem não perde um dia de novela das oito. Quem matou Isabela?

Quer algo mais bárbaro do que isso? Milhares de Isabelas, Pedrinhos, Marias e Josés são assassinados por pais, irmãos, vizinhos; desaparecem e só são reencontrados dias depois, mortos; são violentados, estuprados, negligenciados. Provavelmente você nao tomará conhecimento destas crianças, mas direi onde encontrá-las: nos morros, nas ruas, nos barracos e praças. É ÓBVIO que vocês sabem que isto existe.

Mas alguém, por favor, desconfia do quanto é impressionante que estes casos não tenham toda essa repercussão, mas sigam direto para o quadrinho de estatísticas? Sim, porque apenas- e tão somente- quando o número de agressões físicas e sexuais contra crianças chegam na casa dos 40 mil, como ocorreu em 2007 em Alagoas (dados do Conselho Tutelar), aí sim a mídia chega junto. Por que será que o crime que atinge a classe média é tão super chocante, super horripilante, tão...romantizado até? Ah sim, deve ser porque os casos são isolados, são mínimos, são raridades e excessões, perante à cota diária de animalidades envolvendo quem já está envolvido na miséria. Deve ser porque eles já estão acostumados com isso mesmo... mas uma criança branquinha, com um sorriso lindo, de pais de classe média, é absurdo!

Sim. É mesmo um absurdo. Um absurdo que só não é maior do que a disparidade de tratamento dos casos. Não preciso contar quantos casos de filhos que sequer sabem falar e são abandonados, até quase morrerem por desnutrição. Nem contar os casos de mães que permitem que suas filhas sejam violentadas pelos padrastos apenas porque eles sustentam a casa. Nem contar os casos (clichês) de meninos que entram nas drogas ou dos que perdem a vida porque insistiram em não pagar os R$10 ao assaltante.

É de arrepiar não é? Somos hipócritas. A imprensa é hipócrita...E totalmente inconseqüente.

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